terça-feira, novembro 20, 2007

Guerra Junqueiro, a sátira intemporal...

A bênção da locomotiva...
A obra está completa. A máquina flameja,
Desenrolando o fumo em ondas pelo ar.
Mas, antes de partir, mandem chamar a Igreja,
Que é preciso que um bispo a venha baptizar.
Como ela é, concerteza o fruto de Caim,
A filha da razão, da independência humana,
Botem-lhe na fornalha uns trechos em latim
E convertam-na à fé católica romana.
Devem nela existir diabólicos pecados
Porque é filha de cobre e ferro; e estes metais
Saem da natureza, ímpios, excomungados,
Como saímos nós dos ventres maternais.
Vamos esconjurai-lhes o demo que ela encerra,
Extraí a heresia ao aço lampejante!
Ela acaba de vir das forjas de Inglaterra,
E há-de ser concerteza um pouco protestante!
Para que o monstro corra em férvido galope
Como um sonho febril, um doido turbilhão
Além do maquinista é necessário o hissope
E muita teologia... alé de algum carvão.
Atirem-lhe uma hóstia à boca fumarenta
Preguem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar,
E levem na caldeira um jarro de água benta
Que com água do céu talvez não possa andar.
Guerra Junqueiro

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